24 de setembro de 2008

CUMPLICIDADE...


Na passada primavera frequentava eu numa Oficina versada em Arquétipos (= forças criativas que vêem da alma) entusiasmada pela possibilidade de sentir a respectiva vibração mediante escuta de composições musicais e vozes susceptíveis de os “espelhar” quando surge uma animada troca de opiniões sobre as referidas músicas.


Percebendo que essas composições musicais eram conhecidas desde cedo pela maioria dos presentes comecei por me sentir admirada (conheciam temas, interpretes, enfim tudo ou quase tudo desde o tempo do vinil) para logo presenciar uma sensação esquisita.
Á medida que a conversa evoluía comecei a sentir-me ficar cada vez mais pequena e deslocada no meu silencio verbal até que a mente disparou:
- O que é que andas-te a fazer na tua infância, adolescência e juventude para não teres vivido estas formas de expressão da sensibilidade?! Que ave rara és tu?!
- Por onde andas-te Rosa Maria?
Não me ocorria nada mas certamente não tinha ocupado o meu tempo a ouvir aquelas musicas e isso estava a começar a assumir o gostinho da exclusão (aquele que normalmente sentimos nas carteiras da escola primária, no colégio, no liceu e até mesmo na faculdade) até que do fundinho da minha consciência uma voz atalhou:

- Não te sintas mal, nem diminuída por não conheceres os nomes destas músicas, interpretes e compositores, os teus professores foram outros.

- Os meus professores foram outros?! (Questionei.)

- Sim estives-te muito ocupada com coisas muito simples, algumas aparentemente rudes e primárias como o limpar, cuidar, brincar, comunicar e zelar pelo teu querido Arturinho . Sim O teu decesso tio com paralisia cerebral, recordas-te?! ( Retorquiu e continuou a voz.)
- Com ele e através dele aprendeste a linguagem da sensibilidade da alma e a comunicar com os níveis mais profundos do Ser. Desde cedo, muito cedo lá no fundo do teu coração registas-te que a alma é uma entidade aprisionada num corpo humano e que para comunicar com ela a palavra e o entendimento através da linguagem verbal são apenas um dos meios. Treinas-te a tua sensibilidade auditiva não com musica, nem com vinil mas com os sussurros dos inocentes .

Entretanto as memórias esquecidas da infância e da adolescência dispararam:
As horas de linguagem não verbal , a mímica , o silêncio, a cumplicidade do olhar, a colaboração nas brincadeiras e imaginação criativas ( a tribo dos bonecos de trapos!), mas também a surdez da raiva , o sofrimento e a ansiedade de quem estava tremendamente limitado , o stress de quem não conseguia fazer-se entender, o brilho da impotência e da necessidade de reposição da justiça mas acima de tudo a alegria do alívio e da superação através da aceitação da participação e da empatia.

Compreendi então que o Arturinho foi o grande Professor de Deus que me deu a oportunidade de aprender a aceitar a diferença com naturalidade, de ver para além das aparências e das limitações, de germinar as sementes da paciência, da persistência e da aceitação ,de compreender e prever as potencialidades do outro mediante um esforço de lucidez e participação e de me sentir acima do padrão de vitima, fora do drama e desapegada da lamechice e por conseguinte de aprender a comunicar com os níveis mais subtis do Ser e da razão de Ser.


Mais do qualquer coisa que eu lhe possa ter dado, carinho, alegria, atenção, alimento, higiene, comunicação ele doou-me a indescritível ponte para a comunicação com a vibração amorosa da minha própria alma.
Foi isso o que aquele ser “deficiente” e aparentemente social, física e psiquicamente inútil me legou como marca da sua presença neste mundo.
Senti-me reconfortada , grata , feliz e vitoriosa por mim e pelo Arturinho . Ele vencera o mundo doando-me a vida - muito do fermento necessário á evolução e expansão da minha consciência.
Desde então tornou-se-me cada vez mais desnecessário procurar a minha identidade através da comparação com os outros e por isso, mais fácil aceitar a minha singularidade e autenticidade pois compreendi que se sou uma mulher invulgar é apenas porque tive lições de professores invulgares.

Durante o verão num ou dois momentos de decisões mais difíceis e cruciais a visão desta mensagem voltou visitar a minha memória nutrindo-me o coração e aconchegando ao manto da alma.

Agora, por intermédio de uma amiga recebo um e-mail com um vídeo referente à parte final duma reportagem sobre um militar americano aposentado que cuida sozinho do seu filho com paralisia cerebral após ter sido abandonado pela esposa.

- Isto não é coincidência!( Pensei ).

E ao ver o vídeo chorei de alegria e saudade mas também com a mais sentida e profunda gratidão pois esse ser com paralisia cerebral trouxe-me de volta a imagem física do Arturinho , o calor do seu olhar e a infinita beleza da sua vibração. Compreendi então que não poderia permanecer silente no que respeita ao significado dos “Arturinhos”.

Segundo o e-mail, um dia, em casa, aquele pai ex-militar percebeu-se que o seu filho estava bastante atento a uma competição de Triatlo .Estava vidrado mesmo!O que gerou nele o impulso de inscrever-se com o filho na competição chamada "Iron Man". De forma que aos 58 anos assume um compromisso perante o filho de treinar todos os dias com ele.Entraram na competição , participaram activamente e terminaram com um honroso último lugar sendo que nessa competição, o foco da atenção foi a prestação amorosa dos invulgares competidores .


De facto isto não é coincidência mas uma daquelas sincronicidades que me impele a prestar o meu tributo , a postar o video e a escrever o que acabo de escrever como forma de homenagear todos os “Arturinhos “e todos os pais que independentemente da condição física ou mental dos seus filhos decidem participar dos e nos sonhos deles, dando de Si para os tornar efectiva realidade.
Este será também um modo de espalhar as bênçãos indizíveis que vivi ao presenciar o trabalho de equipe daquelas duas almas. Ambas a experimentar o mundo a partir dos olhos, do sentir e do pulsar do corpo e do coração uma da outra. Isto não é simbiose, isto é um rotundo Sim à vida.
Para aquele pai e filho não há limites porque o limite é o amor.

Quanto ao resto!?

-Bem o resto deixo por conta dos vossos corações.
Com cumplicidade Rosa Maciel.

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